Uma equipe científica da Universidade de Mie, no Japão, coordenada por Ryotaro Hashizume, alcançou pela primeira vez a remoção da base genética da Síndrome de Down em células cultivadas em laboratório. O trabalho, divulgado em fevereiro na revista PNAS Nexus, utilizou a ferramenta de edição genética CRISPR-Cas9, conhecida como “tesoura molecular”, para excluir a cópia excedente do cromossomo 21 que causa a condição. Apesar do avanço notável, os especialistas ressaltam que a aplicação em seres humanos ainda está distante.

A Síndrome de Down ocorre devido à presença de três cópias do cromossomo 21, em vez das duas habituais — por isso também chamada trissomia 21. Para enfrentar isso, os cientistas configuraram o CRISPR-Cas9 de forma a identificar e remover apenas o cromossomo extra, um processo chamado de edição alelo-específica, que atua apenas no material genético em excesso. Essa estratégia mostrou-se mais eficaz e menos prejudicial às células do que métodos genéricos.
Os testes foram conduzidos primeiro em células-tronco cultivadas em laboratório e depois em células da pele de indivíduos com Síndrome de Down. Após a exclusão do cromossomo extra, as células passaram a apresentar funções genéticas mais equilibradas e produção adequada de proteínas. Genes ligados ao desenvolvimento neural se tornaram mais ativos, enquanto os relacionados ao metabolismo foram regulados. Além disso, as células se multiplicaram mais rápido e com menor produção de radicais tóxicos, indicando melhora no funcionamento geral.

Mesmo assim, a técnica enfrenta desafios. Existe o risco de o CRISPR realizar cortes acidentais em cromossomos saudáveis (efeitos fora do alvo). Para minimizar esse problema, os pesquisadores estão aprimorando as moléculas-guia que direcionam a edição genética. Nos testes, foram observadas algumas alterações indesejadas, como pequenas perdas ou acréscimos de DNA em outros cromossomos.
Para aumentar a eficácia, os cientistas combinaram o processo com a inibição temporária de genes que reparam naturalmente o DNA, como POLQ e LIG4, usando uma molécula chamada siRNA. Essa abordagem elevou em cerca de 1,78 vez a taxa de eliminação do cromossomo 21 extra, mostrando que, quando a célula não consegue reparar os danos, tende a descartar o cromossomo em excesso.
Os responsáveis pelo estudo destacam que o propósito não é “erradicar” a Síndrome de Down, mas compreender de que forma a edição genética pode reduzir os impactos biológicos da condição. Apesar do enorme potencial, a aplicação clínica em pacientes ainda está distante. O próximo passo será acompanhar por mais tempo o comportamento das células modificadas e adaptar a tecnologia para estudos em organismos vivos.